Transtornado pelo uso do crack, o ex-servente Reginaldo Cardoso dos Santos, 40 anos, caminhava alucinado pelas ruas do Centro de Vitória quando em um raro momento de lucidez se deu conta de que precisava de socorro. “Deparei com uma viatura, parei o carro e pedi ajuda. Não aguentava mais”, conta. O ato desesperado aconteceu há nove meses, quando, após indicação dos policiais, foi acolhido pelo Cristolândia, centro de recuperação para usuários de crack que completou um ano de funcionamento, na semana passada.
Desde que foi instalado no Centro de Vitória, o projeto – mantido pela Igreja Batista – já fez 250 internações e milhares de atendimentos diários, serviços gratuitos, como o que acolheu Reginaldo.
“Comecei na cachaça aos 10 anos. Depois, veio a cocaína; e mais tarde, o crack”, relata. Antes de pedir ajuda, o ex-servente perambulou meses por cidades do Espírito Santo e do Rio de Janeiro. Tanto que sua mãe só foi descobrir seu paradeiro após, a conselho de conhecidos, entrar em contato com o Cristolândia. “Foi muita emoção naquele dia”, diz Reginaldo.
Reencontro
Ele conta que foram dez anos de uso do crack e já são dez anos sem ver a mulher e os dois filhos, uma garota de 16 anos e um menino de 12. Todos moram em Jiquitié, na Bahia. Seu desejo, hoje, é reencontrá-los. “Esse tempo que estou aqui não é à toa.”
Além das 52 vagas para internação, o Cristolândia atende por dia a cerca de 50 pessoas, que lá tomam banho, recebem roupas, tomam café da manhã e almoçam. “E há o momento da Palavra”, diz a Fabíola Molulo Tavares, gerente regional da Junta de Missões Nacionais (JMN) da Igreja Batista e gestora do Cristolândia no Estado, referindo-se a orações e leitura da Bíblia.
Embora haja lista de espera para internação, ela conta que as portas do lugar estão abertas. “O crack leva as pessoas a perder a esperança. A gente quer fazer com que elas voltem a sonhar”, afirma Fabíola.
O atendimento é feito de terça-feira a sábado, tanto para homens quanto mulheres. Mas as internações são restritas a eles. Há planos para criação de uma Casa Rosa Cristolândia, na Ilha do Príncipe, em Vitória.
Fases
A internação é dividida em três fases. Os pacientes passam por atendimentos médico e psicológico e atividades laborais, em Vitória. Depois, vão para o Centro de Formação Cristã (CFC) Marataízes, no Sul do Estado, onde fazem atividades rurais. Por fim, voltam a Vitória para reinserção social.
E já há previsão de ampliação no atendimento: a partir de dezembro, serão 100 vagas disponibilizadas na Avenida Jerônimo Monteiro, número 31. Além disso, será alugado, até março, um sítio com 78 vagas.
Serviço
Cristolândia
Local: Av. Jerônimo Monteiro, número 31, Centro de Vitória
Atendimentos: De terça-feira a sábado, pela manhã, a partir das 9h
Batalha
“Poderia estar morto, mas me sinto vitorioso”
Reginaldo Cardoso, 40, ex-usuário de crack
“Estava havia meses fora de casa, em Viana, onde morava com a minha mãe, de 59 anos. Numa noite, nas ruas, vi uma viatura. Pedi ajuda aos policiais, e eles me indicaram a vir para cá, onde estou há nove meses. Comecei a tomar cachaça aos 10 anos. Depois, veio a cocaína; e depois, o crack, que uso há dez anos. Cheguei a roubar. Entrava numa loja descalço e saía com um chinelo no pé. Tenho esposa, dois filhos: uma menina de 16 anos e um menino de 12. Faz dez anos que não os vejo. Esse tempo que estou aqui não é à toa. Quero reencontrá-los. Poderia estar sepultado, mas hoje me sinto um vitorioso.”

“Todo o dinheiro era para as drogas”
Moisés Galdino, 41 anos, ex-usuário de crack
“Trabalhei como cobrador, mas fui ‘encostado’ por errar muito, devido às drogas. Então, me mandaram para uma clínica em Cachoeiro de Itapemirim. E eu misturava crack com os remédios. Arrumei outros empregos, mas já estava viciado e fui mandado embora. Passei a catar latinhas, e todo o dinheiro era para as drogas. Meu pai lutou muito para me salvar, mas morreu, com 84 anos, no ano passado. Aquilo acabou comigo. Um montador de móveis que estava na casa da minha mãe me aconselhou a vir para o Cristolândia, onde estou desde abril.”
Fonte: A Gazeta