Um médico foi denunciado por imperícia que resultou na morte de três bebês em Mantenópolis, Noroeste do Estado. O profissional, que não tinha o registro no Conselho Regional de Medicina (CRM-ES), foi denunciado por homicídio doloso e improbidade administrativa pelo Ministério Público Estadual. Além dele, outras quatro pessoas também foram acusadas pelo crime.
Os partos foram realizados no Hospital e Maternidade Nossa Senhora das Dores, onde o médico Ricardo Lyrio Torres trabalhou – sem registro do CRM-ES – entre janeiro e fevereiro de 2006. A unidade, que é filantrópica, está fechada desde julho deste ano por falta de recursos financeiros.
Erros
Segundo o promotor Isaías Antônio de Souza, Ricardo é formado na Bolívia, mas não tinha validado seu diploma junto ao Conselho Regional de Medicina. Ele teria cometido erros primários que resultaram na morte das crianças e em grave sofrimento para as três gestantes.
Souza relata o caso em que o cordão umbilical de um bebê estava envolvendo o pescoço, o que exigia ação rápida e uma cesariana, por causa do risco de asfixia. “Fato constatado por outro médico, que disse ser aquele um caso em que jamais se faria parto normal”, contou o promotor, acrescentando que a mulher ainda teve que ir andando para a sala de cirurgia. Em outro caso o médico não conseguiu retirar a placenta do útero da gestante.
Dois ex-diretores do hospital também foram denunciados: Joel Alves Teodoro e Kátia Carla Gomes Nogueira Vilela. Segundo as investigações, ambos contrataram o médico para realizar plantões de férias de profissionais do hospital sem verificar se ele era habilitado para o exercício da profissão.
Omissão
Os diretores só descobriram a falta do registro quando o profissional precisou transferir um paciente para outro hospital, uma vez que teria que carimbar um documento. Na ocasião Ricardo Torres afirmou que sua carteira “ainda estava para sair” e teria fornecido um número falso de registro profissional.
“Os diretores foram omissos. Permitiram a permanência do médico no hospital após saberem que ele não tinha o registro. Assumiram o risco de causar os graves resultados”, afirmou o promotor.
Se forem condenados, os dois ex-diretores e o médico poderão ficar presos por até 20 anos. Além deles, foram denunciados o ex-diretor clínico Renato Robson Vilela, e o ex-secretário municipal de Saúde de Mantenópolis, Márcio Marques dos Reis, por improbidade administrativa. Casos que podem resultar em multa, perda de função pública e proibição de assumir cargos públicos por até dez anos.
Outros denunciados
Ricardo Lyrio Torres
Denúncia: Homicídio doloso e improbidade administrativa
Quem é: Natural de Governador Valadares, Minas Gerais, estudou Medicina na Bolívia, mas não validou o diploma no Brasil. Atuou no hospital sem o registro do Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo (CRM-ES). É acusado de imperícia médica pela morte de três bebês. Atualmente possui registro no Conselho mineiro, segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM)
Kátia Carla Gomes Nogueira Vilela
Denúncia: Homicídio doloso e improbidade administrativa
Quem é: Era diretora administrativa do hospital e foi quem primeiro autorizou o médico – que não tinha o registro – a assumir plantões no local. Hoje trabalha como professora na Escola Luiz Simões, em São José, distrito de Mantenópolis
Joel Alves Teodoro
Denúncia: Homicídio doloso e improbidade administrativa
Quem é: Era diretor presidente do hospital e, junto com Kátia, contratou o médico sem conferir a documentação dele. Hoje está aposentado e mora em Mantenópolis
Renato Robson Vilela
Denúncia: Improbidade administrativa
Quem é: Era diretor-clínico e fazia parte do Conselho Administrativo. É médico em Mantenópolis
Márcio Marques dos Reis
Denúncia: Improbidade administrativa
Quem é: Era do Conselho Administrativo e secretário de Saúde de Mantenópolis. Hoje é secretário de Saúde de Pancas
Acusações
Trechos da denúncia feita pelo Ministério Público Estadual
“Ao apresentar-se à direção do hospital como médico habilitado, Ricardo Lyrio Torres criou uma situação de risco que propiciou diretamente os resultados danosos ocorridos”
“As condutas omissivas praticadas por Joel Teodoro e Kátia Vilela se perpetuaram por dias, mesmo com os fatos que demonstravam a inabilidade do falso médico”
“Os denunciados praticaram ações e omissões legalmente proibidas que levaram aos resultados de morte de três crianças neonatas, tudo exaustivamente demonstrado”
“Os resultados (a morte dos três bebês) se deram em decorrência da absoluta imperícia médica”
Mães viveram momentos de dor e sofrimento, aponta denúncia
As mães que perderam seus bebês durante os partos realizados no Hospital e Maternidade Nossa Senhora das Dores, em Mantenópolis, Noroeste do Estado, passaram por momentos de grande sofrimento. Um dos casos foi classificado, em denúncia do Ministério Público Estadual, como “mostruosa tortura” praticada pelo médico Ricardo Lyrio Torres.
Em janeiro de 2006, o médico realizou, ao mesmo tempo, os partos de Karla Silvério de Almeida e de Rita Correia Barcedar. A denúncia aponta que enfermeiras e o médico fizeram muita força na barriga de Karla para forçar o nascimento da criança, o que teria durado mais de uma hora. A paciente ouviu o médico afirmar que era necessário puxar a criança pelos ombros, mas que ela estava agarrada.
Descaso
Ricardo também não conseguiu retirar a placenta do útero de Karla, após tentar por uma hora e meia. Outro médico foi chamado para realizar o procedimento. Karla só soube da morte da filha oito horas após o parto.
Rita, ao ser internada, foi informada por Ricardo que tinha dilatação de apenas três centímetros e que não estava preparada para o parto. No dia seguinte, por orientação dele, caminhou pelos corredores do hospital para “ajudar na dilatação”.
Passado mais um dia e com fortes dores, a gestante foi examinada por outro médico. Ele constatou que ela estava com oito centímetros de dilatação e que sua bolsa já havia rompido.
Ricardo assumiu o parto e deixou a paciente por quatro horas na sala, “fazendo força para a criança nascer”, enquanto atendia outra gestante. Novamente houve a intervenção de outro médico, que constatou a necessidade de uma cesárea urgente, mas o bebê acabou morrendo.
No dia 6 de fevereiro, Ricardo atendeu Ediana da Cruz Barros, moradora do distrito de São Lourenço, em Alto Rio Novo. A gestante sangrou por duas horas na cama antes de ser levada para a sala de parto. Depois, foi vítima de uma forte hemorragia.
O médico e três enfermeiras teriam apertado fortemente a sua barriga, forçando o nascimento da criança. Calcula-se que esse procedimento tenha durado cerca de duas horas. O bebê morreu logo após o nascimento. O promotor refere-se ao caso como uma “monstruosa tortura”. “A mãe não conseguiu nem ver a criança ser sepultada. Foi levada em estado grave para Barra de São Francisco”, diz Isaías.
O promotor constatou que as mulheres tiveram gestação regular e sem qualquer complexidade que justificasse a trágica morte de seus filhos recém-nascidos.
“Médico estava em experiência”
Denunciado por improbidade administrativa e homicídio doloso, o ex-presidente do Hospital e Maternidade Nossa Senhora das Dores, Joel Alves Teodoro nega que tenha contratado o médico Ricardo Lyrio Torres, com o argumento de que ele “estava em período de experiência”.
“Pedimos os documentos dele, explicamos que ele estava ilegal junto ao hospital, o tempo passou, e caiu na situação atual”, contou Joel.
Na avaliação do ex-presidente, mesmo sem o registro junto ao Conselho Regional de Medicina (CRM-ES), Ricardo estava habilitado a realizar partos. “Ele dizia que era médico formado e que estava habilitado para fazer parto e cirurgias”. Joel relata que o hospital estava preparando a demissão do médico quando aconteceram as mortes. “Íamos demiti-lo por não entregar os documentos”.
As mortes ocorreram durante a noite, quando Joel estava em casa, dormindo. “Não vi quem passou pelo hospital. Tínhamos lá o diretor clínico, que deveria ter acompanhado tudo desde o princípio, e não acompanhou”, desabafou. Aposentado, Joel vive no Centro de Mantenópolis.(Viviane Carneiro)
O outro lado
Ex-diretora não fala sobre acusação
O médico Ricardo Lyrio Torres não foi localizado pela reportagem até o final desta edição. Há menos de um ano, ele foi encontrado em Governador Valadares, Minas Gerais, pela Justiça. Na época foi intimado para prestar declarações e esteve em Mantenópolis, Noroeste do Estado.
A ex-diretora administrativa do hospital Kátia Carla Gomes Nogueira Vilela foi procurada por A GAZETA, mas afirmou que consultaria seu advogado antes de se pronunciar a respeito do assunto. Atualmente, ela é professora em uma escola localizada no distrito de São José, também em Mantenópolis.
Também não foram localizados por nossas equipes o médico Renato Robson Vilela e Márcio Marques dos Reis, ex-gestores do hospital. Atualmente, Márcio ocupa o cargo de secretário municipal de Saúde de Pancas, também no Noroeste do Estado. E Márcio atua como médico em Mantenópolis.